sexta-feira, 31 de outubro de 2008


"Back going back in all directions, sleeping those insane hours... I'll never wake up in a good mood again... i'm sick of these stinky boots..." (Jim Morrison in An American prayer)


Queriamos urgentemente dar prazer uns aos outros, em troca de tudo ou de nada. Eram estes os tempos, era o século XXI, inistias e já não havia nada a fazer! Como se fosse tudo uma questão de vida ou morte, o mais leve olhar ou sorriso ou toque… Mais de vida dizias. Mais de morte digo eu. São estes os tempos mesmo. Queremos tudo ou nada, querer só por querer e ficar mesmo sem nada…. Uma emoção que se perde, uma descontinuidade de sentimentos, um recomeçar constante, um cansaço da própria mudança.

Estava um nevoeiro muito cinzento, denso, frio e leve ao mesmo tempo.

- Para me sentir vivo, insistias Sempre, só mais uma vez, sempre só mais uma vez. E eu sempre a pensar no dia de amanha, como te sentirias depois de tudo passar? O que restaria desse fingimento de vida? Onde esconder depois a solidão. Um olhar negro de cetim, não se podia dizer que não fosses sabiamente superficial.
Como tu, todos vivemos nestes tempos e não há desculpas nem refúgios. Somos todos iguais. Podíamos morrer uns pelos outros que a vida continuava igualzinha lá fora. O que passa não é a vida somos nós, meus caros amigos lindos e novos e perfeitos em tudo especialmente na juventude. Dar a mão ao abismo não é opção, já existe dentro de nós muito antes de o saber. Como lidar com a queda é que é opção nossa.
Além de tudo o resto, gostavas de ser como eu, como nós, de ser feliz e estável alguns dias da tuas vida, sim porque tudo passa e nada vive para sempre. Mas enquanto pensas esses dias já passaram. Queria ajudar-te mas foges mesmo até de ti. Envolves-te nessa luz que em vez de te proteger te faz sofrer sem saberes. É uma luz tão forte e intensa, mas que só ilumina os outros… É por gostar de ti que te escrevo, para que sobrevivas a mais do que momento de inconsciencia, para que a tua vida seja mais do que “sentir-se vivo” e a beleza mais do que cores actuais de uma simples ilusão que vai mudando de forma a cada passo que dás. Talvez até sejam felizes mas não o sabem. O que é ainda pior.

Que venha o mar, a inclinação das ondas, a espuma e a reflexão das palavras na transparência de um olhar revolto. Que venha tudo ou nada, não É!? Que tudo seja a recordação de uma outra coisa qualquer bem melhor. Que a alma possa descansar no fundo da liberdade que afinal só existia em sonhos.

O nevoeiro vai passando muito devagar e o sol frio de inverno provoca uma nitidez quase assustadora de tudo que se passa dentro e fora de nós. De mim.

Também já assim, bem parecida contigo. – Digo debaixo de chuva, quase sem me ouvir. É bom poder regressar a casa. Muito longe daqui alguém fecha a porta e sai para a rua e o barulho dos passos na rua molhada lembra a racionalidade do tempo. E sorrio ao ver o mundo todo.

terça-feira, 11 de março de 2008

É o som do mar.

É o som do mar. Tudo o resto é cinzento claro. Ainda ontem era madrugada e toda uma história foi contada ao vento. Ainda hoje era noite e eram as palavras que ficavam perdidas no frio. Era chuva. Eras tu. Era o instante que já tinha passado e as estradas molhadas a desfocar o caminho. Só o silêncio outra vez. E mais uma eternidade de pensamentos. A nitidez de um sorriso. os passos lentos na direcção descontínua do teu olhar cansado. A intensidade de uma espera. De mais um segundo ou de mais uma vida. Irrelevante. A seriedade das estrelas intactas. O movimento parado de mais um dia. Pudesse esta saudade ser minha ou esta história ser nossa. Podia ter sido ainda ontem ou ainda hoje. a água que se infiltra na alma e no corpo. O que foste para além do que poderias ter sido? Só o que ias sendo. O que fomos para além da noite?
Quando passei muito levemente por nós não reconheci as tais palavras desconhecidas nascidas da humidade dos mais submersos pensamentos. Passei levemente, muito levemente nesse labirinto vazio da razão e mais uma vez me perdi na angústia do ser.
Ainda cheira a terra. A mar. a desconhecido. Prevalece o vento, a fúria, a tempestade. Tudo em revolta silenciosa do presente. Da incógnita do tempo. Esqueci o sorriso. A nitidez desfez-se em espuma branca lá ao longe. Hoje não é o dia. Nem amanhã. Nem ontem. Este dia nunca existiu. O nada não tem cor. Nem o tempo. Hora após hora as palavras que não se dizem repetem-se constantemente num delírio inacabado de sensações inexistentes. Só mais hoje. Deixa-me ver-te. Tocar o som do mar que já não fazes. Ouvir o que já não sentimos. Falar-te da imensidão deste momento.
E seguir-te para onde já não haja luar.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Supernova- (nome dado aos corpos celestes que surgem após explosões de estrelas (esta ocorreu a 240 milhões de anos-luz,numa galáxia chamada NGC 1260)


"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo."(Bernardo Soares-Livro do Desassossego)


Um campo de energia invisível. Uma explosão de tempo que perpetua o brilho no negro. Nem um som, e no entanto explosão.... só uma estrela que morre... Depois, bem vistas as coisas é só o brilho que efectivamente exerce todo o fascínio. Não a complexidade ou a simplicidade, só o brilho...
Perfume cor-de-rosa de verão daqueles muito frescos e agradáveis. Limonada com gelo numa varanda vermelha.
Música distante ou música do acaso. Querer muito em vez de querer bem. Nada em vez de não querer tudo.
A vida de uma pessoa comparada com a vida do universo. Tudo matéria de um mesmo sonho abrangente demais para ser verdadeiro... Personagens de uma história sem início nem fim. Completamente sem saída. E no segredo.
Um fogueira acesa no fim do Outono, ao fim da tarde e o cheiro a castanhas e a folhas caídas. Um abraço de lã macia à entrada de uma porta de vidro fosco.
Uma tempestade no mar de inverno. Um sorriso prateado. Casaco cor de café quente ao vento num jardim quase abandonado.
Uma árvore cheia de camélias tão brancas e frias a chover por cima.
Vestígios de uma conversa de há cem anos atrás numa varanda cinzenta cheia de escritos sem nexo.
Subir silêncio verde das montanhas com as mãos dadas ao nada.
Todo um universo de sensações, recordações que nem sabe que existiu um dia... Nem que muito
brevemente deixará de existir.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

PENSAR



"Que é que justifica uma luz que nada ilumina e se perde no vazio?"
(Vergílio Ferreira-Pensar)

"Ser claro, afinal, não será muito difícil. O que é difícil é acontecer aí o Sol" (Vergílio Ferreira-Pensar)


Chove torrencialmente no meu pensamento. Chuva azul que lava tudo, pelo menos o mais superficial... E todas cores são intensificadas com água fria, e mudam a cada instante numa infinidade de tonalidades muito parecidas. Não há estrelas visíveis de dia e nem sol de noite que inunde a madrugada do pensamento e apague estas cores de água fria. O brilho de ontem a arder por cima dos nossos corpos esquecidos num qualquer fim de manhã ou tarde... Continuam as imagens a passarem cada vez mais rapidamente, a música, as vozes, a tua voz e a minha antes de se voltarem a perder no vazio. E continua o Iggy Pop insistentemente "...lust for life"... a dar ao longe mas podia ser outra música qualquer. De que se pode fugir se já está tudo dentro de nós? Mesmo antes de sabermos e então depois... Volto a dizer que se ficasses só mais um instante, o seguinte, por exemplo podia contar-te aonde leva esta tortuosa estrada de pensamentos. O fim é sempre muito mais interessante, mesmo que o início da história se tenha perdido algures, numa outra antes desta. Ou terá sido depois??
Quantos instantes iguais a este seriam precisos para preencher o universo de ilusão do qual é feito tão cuidadosamente o tempo??
É preciso que não te percas agora. Nem eu. O horizonte está a tornar-se finalmente mais claro. Chegaremos a tempo? A chuva parou, o pensamento está a tornar-se aos poucos mais nítido.
Um beijo para ti.



quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Lua cheia


Cheia de quê? Repleta de sonhos caídos da madrugada de ontem.

As luzes da cidade ofuscavam por completo aquele luar divino. Era preciso estar-se atento, abstrair-se. Um novo mundo mesmo ali acessível aos sonhos de qualquer um...(E no entanto...)

Azul forte, branco fluorescente, cor de laranja e vermelho vivo, são estas as cores das ruas nesta noite, em que curiosamente, a lua está cheia também, de novo e por acaso talvez. (...E no entanto tão longe)...Hoje é um daqueles dias. Nem é preciso ver a lua para se saber. Nem é dia nem noite, nem é tarde nem manhã, nem frio nem calor, nem vento nem sol, nem passado nem futuro... Só hoje o tempo parou para se poder sonhar à vontade. Mais uma vez.
Hoje os momentos transformaram-se todos em alma e a alma em lua, hoje o universo é mesmo nosso e só nós não temos consciência disso. Ainda bem, por enquanto.

-Vais perder... (Que lata! Agora vinha ele depois de tanto tempo).
(Voz imediatamente reconhecida)
-És tu?Pensava que era...
-Pois é.Vamos embora.

"If the sky that we look upon
Should tumble and fall

And the mountain should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry
No I won't shed a tear
Just as long as you stand, stand by me..."

sábado, 19 de janeiro de 2008

Mais um sorriso...

No fim de contas, é provável que isto tenha pouco a ver com amor...

Era a forma mais importante que o contéudo. Em tudo na vida. (Ou seria a forma a própria substância?...) Vida essa que assumia cada dia novas tonalidades complexas e atraentes.

Na linha média entre o sorriso e o choro, onde se situa a memória da emoção, um abraço, um beijo, uma palavras quente. Mas as palavras não podem trazer sensações. São só palavras. Nem frias nem quentes. Só letras. Um abraço escrito é só um conjunto de letras... Cada um poderá imaginar a ternura ou a sensação do abraço, ou apreender só as letras.... Pode possibilidades infinitas... Onde se esconde a literatura? Talvez numa simples manhã de sol... Onde estão os sentimentos atrás das palavras? Existem mesmo?! Não são as palavras que criam literatura... Só os sentimentos de quem as lê e sente.

Só por te amar não quer dizer que isto que te estou a dizer tenha alguma coisa a ver com o amor. Até porque quando acabar de escrever, posso já nem ser eu que daqui saia e te sorria pela janela onde o sol ofusca de brilho esta sala, nesta hora branca. (Onde estavas quando o sol nasceu?)
Não gosto nada de falar sempre para ti, mas na falta de alternativas, torna-se bastante mais confortável do que falar para mim. Sombra de um invisível...

Não nos sentimos. Sonhámo-nos. Como quando te sonhei já há muito tempo. Tu com uma t'shirt branca, do lado de lá do portão velho. Deste-me a mão, mas já fora do sonho. Uma única vez! E sorrimos. Valeu a vida inteira. Foi como se naquele instante tivessemos vivido mesmo uma vida inteira completamente diferente, onde estivemos sempre juntos e depois logo no instante seguinte tivessemos regressado contentes e já sem mais nada querer desta vida... Ainda de mãos dadas vivemos até ao fim aquele momento eterno. Lembras-te?

Olhei para trás, e era o meu sorriso dez anos atrás, que eu sabia que nunca mais ia rever.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Para ti, J.


Para ti, J.

O acaso é só o acaso. (Só?)... E nada para além disso. Toda a vida, a sequência de um acaso ainda mais estranho do que qualquer ficção...

A morte em cada esquina, as palavras e as memórias, a noite e o frio, não havia nada que pudesse fazer para se libertar desta vida. Havia ainda a vontade de escrever tudo o que sentia. E escreveu com a urgência de um tédio tardio de alma cansada. Depois deixou-se ficar a adormecer perto da janela aberta que deixava entrar o frio azul da noite. Aquela noite era como música líquida que se esvaía entre os dedos de todas as mãos do mundo. Era como o acordar para um abismo. Os papéis caíram com o vento mas as palavras que tinha escrito ainda a atormentavam como entraves para a liberdade.

Estou só. Perfeitamente só. As horas morrem atiradas contra superfícies de paredes lisas e brancas. Nem um som. Todos os projectos passados e futuros vejo-os desaparecer lentamente com os restos de vento por debaixo da cortina da janela que se eleva ainda mais lentamente para deixar sair o longo desfile de telas sem cor, literaturas nocturnas por começar, de ciência pura incompreendida, de filosofia de rua e de escola, tudo o que nunca consegui concretizar. Todos os projectos só interessavam porque eram projectos. Tudo o que fiz nos meus tempos livres foi a única coisa de algum interesse relativo. E falo no passado por nunca ter tido presente, só meio presente e meio futuro, um tempo quase inexistente que fica atrás de toda a tristeza do olhar e se vai perdendo… Tudo inútil e tudo o que existe deve ser inútil. De uma profunda inutilidade. Só assim digno se ser apreciado e amado incondicionalmente. Mas tu apareceste e esta inútil dor se ser e de sentir passou e nada mais me resta a não ser esta solidão que preservo, que poupo até ao fim, da qual me resta já tão pouco também. Meu Querido J. Escrever-te assim tão directamente assusta e quase destrói o teu ser dentro de mim, só o nomear-te assim tão grosseiramente… Mas de que outra forma compreenderias? Tu que vives desse teu presente tão real, tão bom, tão invejavelmente científico. O próprio sorriso às vezes parece surgir do resultado de múltiplas experiências falhadas com um resultado absolutamente magnífico que é esse sorriso eterno. J. J. J. J. J. J. J. J. J.J. Repetir o teu nome até à exaustão mental fazer-me perder o sentido de ti. Repeti-lo no medo e na consciência de perder o significado de uma mera junção de letras. Perde-lo mesmo assim pelo medo de perder…

Ruínas de sentimentos é tudo o que J. consegue alcançar com o olhar e a alma naquela noite tão fria.

Envolto em pensamentos de perda e revolta J. chegou a casa, mesmo não querendo, teve mesmo de chegar a casa, fazia parte da sua natureza, e afastou matematicamente tudo o que pudesse trazer à memória a existência de I. Sentiu-se mais leve, de uma leveza inexplicável. Foi como se um peso invisível tivesse desaparecido para sempre.

Tinha a impressão de ter começado a viver depois de tanto tempo simplesmente a existir na alma de outra pessoa. Agora sentia-se só, talvez este fosse o preço a pagar pela liberdade de ser que sentia.

Sentia-me ainda revoltado nem sei contra quê , contra que parte de mim ou de ti... quase letárgico, com vontade de dormir, e de ouvir música distante que me embalasse num sono breve e longo, que me desse resposta às minhas perguntas cada vez mais infundadas. Mas agora, a minha letargia matinal parecia ter-se transformado em energia e vontade de viver. Não queria ter de pensar muito, nem conseguia pensar muito, só me apetecia viver, rir sempre e fazer loucuras, ou melhor ser a própria loucura, toda esta energia temo que parte dela possa ser falsa, e seja só a materialização da minha raiva acumulada. Tantos pensamentos desorganizados, tanto de mar como de sol, tanto de céu como de inferno, tanto de vida como de ausência de vida... Ás vezes gostava de deixar de pensar, nem que fosse por poucos instantes, só para poder saber o que é não pensar, senão como poderei algum dia saber o que é pensar? Pois se nunca deixei de o fazer... Como poderemos algum dia saber qual a sensação de não pensar?? Gostava mesmo de passear na minha mente, descobrir escuridões, túneis inacessíveis, desejos recalcados e esquecidos, cores novas, gritos e água gelada, vozes a proclamarem liberdade em palavras desconhecidas, muito e muito mais. O que iria encontrar não posso adivinhar, é o meu único segredo, que de tão guardado me esqueci dele. Posso tentar imaginar, posso continuar a descrever a minha imaginação, mas quando chegar ao fim, a desilusão pode deitar tudo por terra, pode fazer-me chegar intacto da minha viajem, mas pode também trazer-me mais feliz ou menos feliz, mas não me trazer a mim. É pena mas quanto mais me quero conhecer a fundo, mais me afasto de mim. Acabo a pensar em ti.

Fujo da realidade sempre que posso, sempre o fiz mas penso que só agora tomei essa consciência de fraqueza mental. Sei que não me deixaste só J. Sei dentro de mim que nunca estiveste comigo. Sei que mesmo assim me fizeste a pessoa mais feliz do mundo sem teres a mínima nocção disso. Sei desse encanto que te persegue para onde quer que vás, que atrai todos, esse desprendimento e desconhecimento das emoções que provocas à tua volta, esse magnetismo da indiferença.