domingo, 30 de dezembro de 2007

CRYSTAL SHIP




1993 (REVISITED) ....

"The time you ran was to insane, we'll meet again, we'll meet again..."

UM arrepio que a alma deixa escapar, de cada vez que a memória se distrai numa qualquer sombra de um momento qualquer, de um daqueles dias já passados, de uma daquelas horas, de um daqueles instantes. É só mais um ano que passa, que nos distancia, não é só a nostalgia, é mais a saudade de nós naquele tempo ainda tão próximo, mas já cada vez mais distante... Impossível de se alcançar.
Tão velhos e tão novos, a meio da noite a saltar muros, tão altos!....


sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Onde estavas quando te esqueci?

I. (Tinha que publicar isto Hoje de novo, ainda que não saibas porquê, ainda que nem sequer leias...)

Era o tempo que já não passava, ou que já tinha passado de vez. Havia uma instabilidade de pensamentos que já não se conseguia ordenar, que nunca mais se conseguiria. Era como uma onda de tempo a atravessar pequenas dimensões invisíveis de memória.
Foi então que nos lembrei ao fim da noite ou da manhã à porta ou à janela de um salão perdido no tempo.
As memórias já se perderam ou perderam a verdade que acaba por ser ainda mais triste. Mas o olhar não se esquece. É como um punhal doce ou uma flor de gelo que nunca morre…
As palavras onde ficaram? As palavras e os sentimentos atrás das palavras?...
- Has this dream stopped?
- yes.
- why?
"Where are the feasts we were promised, where’s the wine, the new wine? Dying on the vine."
Tudo muito cru, frio e real. Assustadoramente real e intenso. Sem espaços vazios para refúgios. Agora a única coisa que existe são os refúgios que escondem nos pensamentos essa realidade. Não por medo. Por esquecimento. Por não haver mais nada.
Não se pode voltar sem se ter partido verdadeiramente. E como seria bom poder voltar. Talvez não. Só a ideia de voltar. A nostalgia de um momento que afinal nunca se viveu…
I will not go. Prefer a feast of friends to the Giant family.
Era o calor do ar que apertava o coração.
Como é que eu podia ter ficado só até ao último instante? Se já era tão tarde para haver um último instante. Se tivesse havido teríamos ficado. O que custava lembrar só mais um instante?
Sorrisos fora do tempo. Ou o tempo a passar fora de nós e dos sorrisos. Sons de palavras a ecoarem a emoção desconhecida, ainda…
Can you find me soft asylum i can’t make it anymore.
Nada suave. Havia um corredor escuro durante a manhã, que depois deixava entrar um pouco de sol.
E música fechada. Da janela baixa só se via um bocadinho de céu. Que era tudo o que existíamos. Os sentidos confundem-se. Estamos agora do lado de fora a ver a música, a sentir os passos a passar invisíveis, a ouvir a angústia e a alegria incondicional do nunca mais.
Se ao menos tivesse havido um espelho. E mais sol. É do sol que sinto mais falta em todas memórias amachucadas como papel velho. Seria tão melhor recordar tudo com muito brilho e claridade. O que somos nós dentro de um pensamento. Haverá mais luz dentro de um pensamento.
"A Vision shimering shifting moving in false fire light...
A Vision of the Visions protecting me from fear at night".
Mas não há momento que dure uma vida inteira nem sentimento que dure um sorriso inteiro. Nem abraço que não morra antes de nascer. Na penumbra do vazio, na tristeza de acabar… Não há ternura numa lembrança porque a ternura morre com o tempo a ternura do passado perde-se como quase tudo e todos os sentimentos descritos e sentidos são presentes. Só a imagem e falta de sol perdura. É só de formas sem movimento feito o nosso passado. É então que a memória se torna triste, repetitiva e insistente, na tentativa vã de parecer real, de ter realmente existido ainda que num outro universo qualquer. Há depois os limites físicos do esquecimento. O que fica marcado na pele da alma. Impossível de apagar. As tais formas, mas mais intensas e mais verdadeiras. As únicas. O que já não queremos lembrar. Ironicamente é só isso que fica gravado. Sorris, vejo que sorris por tudo e por nada, talvez mais por nada. Um passo. Abri a porta da cozinha e o calor entrou debaixo da árvore o vento quente de verão. Mas estava só o deserto lá fora. Senti o mesmo calor mas já só existia tudo igual e tudo vazio de nós. De nós encostados à parede fria a ver estrelas a reflectiram no chão cinzento. Sentes o chão a fugir debaixo dos pés? Não aquele chão. Este chão.
Winter’s so cold is that the reason…
Se já não tivermos o tempo temos o pensamento.
As ondas de um mar claro. O amarelo da areia e do sol. O fresco vento do desconhecido, do desconhecimento e da mudança. Não são visões, são sentimentos inacabados. Bocados de vida encaixados em tempos errados, o puzzle verde da memória a inflitrar-se cada vez mais e a trocar a vida pela memória, ainda intacta. Afinal intacta. Sempre. Ai de quem a tornar visível. Perder-se-á completamente na rede sinuosa e insidiosa do tempo mental… O quente deixa de ser quente para se tornar insuportável e o frio torna-se ameno e agradável. Os sorrisos são engolidos por uma onda fria de silêncio e os abraços por uma onda de vento frio. Como ruído de fundo temos a vida. Mais ou menos musical, mais ou menos barulhenta. Às vezes feita silêncio.


Estás agora tão perto que me afasto com medo. Com tanto medo.
Lembrar o passeio por percorrer e sol a nascer atrás dos montes, onde não há mar, o sol não se pode pôr... Há só um subtil escurecimento. Tão suave e tão vazio, tão vazio de ruído e ,movimento.
"Stay, Faraway so close"…
Salva-me da realidade da noite em que disseste que seguir estrelas era o mais importante, que era só isso q valia a pena.. mesmo que nunca se conseguisse… E eu que tinha percebido que era estudar estrelas… Nunca percebi que estudar é só compreender friamente, que destrói tudo. Mas tu tinhas um brilho no olhar diferente de tudo o que já tinha visto, e agora sei que podias até ter estudado mil estrelas que nunca perderias a inocência da sua beleza….
Mas mais uma vez os tempos desencontram-se na periferia da vida, os nossos planos de acção por mais que se aproximem nunca se cruzam, nunca coincidem. Entro no palco e está escuro. Sei que estás no meio da camada escura da massa que é o público. Tu lá no meio, certeza absoluta, depois de tanto tempo. O que fazer senão fingir por momentos que não me sinto, que não sou eu que vive aquele papel, e fugir ali mesmo sem sair do sítio, percorrer sem fôlego toda a vida. O que deves ter sentido tu, meu deus, seja lá ele quem for, ao ver-me ali sem estar verdadeiramente ali. Talvez também tu nunca tenhas feito parte daquela assistência atenta. Talvez a tua alma tenha ido ter com a minha num local secreto mesmo atrás do palco. Nunca vamos saber.
Toda a gente pensa que sabe tudo. A janela aberta numa noite quente, a luz alheia a iluminar o desespero do último beijo de angústia, o último momento de desespero…
I’m sticking with you, cause i’m made out of glue…
Subi as escadas sem saber o que ia encontrar. Não estava escuro nem luz lá em cima, nem silêncio nem vida, nem vida nem morte. Só a réstia de passado e futuro misturadas naquele presente tão artificial. Chamaste por mim e eu já arrependida de ter subido as escadas. Como me lembro do branco das gargalhadas e das camisas. Como se fosse hoje e o presente fosse afinal real. Como me lembro de mim na efemeridade do momento, do sorriso, da visão.
O amanhecer chegava sem pressa mas as horas passavam devagar ao som de umas notas musicais tão vulgares. Era uma mistura de paz e vazio. Do calor da alma e do frio da manhã. Nunca mais fomos iguais, nunca mais fui igual a ti, nem tu a mim.
“Não pares de lutar, agarra o dia a nascer, há uma batalha a travar só tu podes vencer… Um lugar ao sol, sempre teu….”
Tu não sabes que foi esta música que selou o fim dessa cumplicidade de olhares puros.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

ESPERA!...

(Podia esperar agora, todo o tempo do mundo, todos os dias, toda a vida...)

Estamos mesmo no fim da caminhada, mas por incrível que pareça mantemos o mesmo ritmo de sempre. Nem corremos nem paramos. São só as sombras que vão aumentando discretamente e mudando de forma, à medida que o sol se vai, muito devagarinho.

(Podia fazer só uma pequenina pausa, nisto a que chamamos vida, e esperar...só mais um bocadinho por ti, só mais esta tarde. E, já agora, por mim).

Que cor tem esse tempo que eu quis escrever, afinal? A estrada continua cinzenta e despida e cheia de chuva, Mas a cor não, não era cinzento. Não foi o tempo que esquecemos foi só a cor. Já nunca mais lembraremos a cor. Agora será sempre tarde, mesmo para uma simples recordação. Toda a vida explosão que nunca explodiu. A eterna indecisão e inacção. Já nunca mais teremos medo. Nem sol no pensamento.

Podia também dizer-te agora, e com toda a certeza, que nada mudou... mas não vou dizer. Nem agora, nem nunca mais.
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É natural que tenhas medo que te apanhem. A guerra continua tão estranha. Dum dia para o outro, já não sabemos que esperar. Tomamos os comprimidos, como todos os outros, só que o efeito é o contrário do que pretendemos. Nós queríamos ser felizes.
Ninguém nos acompanha nisto. A noite desce como um pano. As pessoas desaparecem, como se fossem para casa. Não temos maneira de saber o que está certo.
Dou-te as flores de onde vim, que vieram comigo, que atravessaram o mundo não se sabe bem porquê. Os teus olhos continuam iguais. É preciso insistir. Não fazemos diferença um do outro. Percorremos distâncias enormes, junto dos faróis e dos comboios, com a música muito alta, sem dizer nada que nos interesse. Não nos conhecemos. Nunca seremos interessantes. O carro precipita-se em vez de nós. A paisagem substitui as nossas caras.
Eu gostaria tanto de amar-te. Quando te tomo nos meus pensamentos, vai a noite escura ao largo da gente e das árvores, e eu penso que a minha alma te pertence. Pudera eu, meu amor, ou lá o que és, que pudesse pertencer a alguém.»

(Miguel Esteves Cardoso in O Amor é Fodido)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

INDEFINIÇÃO


A cor de um tempo que já não temos, que nunca vivemos, que já esquecemos. (-Onde está o teu sorriso?) A cor do nunca mais, do para sempre. O que se confunde já não é o que se diz, mas o que se pensa. O que se vive já não é o que se sente é só o que se poderia ter sentido. Eu tinha-te dito que acreditava que o mistério do universo havia de ser alguma coisa muito simples e muito bela.
(-Mas onde se escondeu o teu sorriso?-Continuo a perguntar insistentemente! Porque não o encontro, não o sinto, já não o vejo por entre toda esta multidão...)
Este tempo que não morre, que teima em permanecer e passar ao mesmo tempo. Tudo parte do mesma matéria que não é nenhuma. Antes de morrer e depois de nascer.
Podias vir salvar-me só mais hoje, num outro fim de tarde cor de laranja. Eu que já te salvei tantas vezes, vezes sem conta... Mas o que já passou já não tem a mínima condição de existência debaixo deste céu tão cinzento, deste universo tão terrivelmente indiferente a tudo o que nos acontece...
Talvez não me possas salvar mas pelo menos vem ver sentir este frio comigo, vem de uma vez compreender porque perdi toda a esperança. Sentir o que já não sinto. Ser eu, entrar na minha alma, para finalmente entenderes o que não entendo. Todos os dias que passam parecem saídos de histórias de livros, sabias? De romances estúpidos inacabados, sem nexo. Dias todos iguais que se sucedem sem lógica racional, e pensamentos que os acompanham fora dessa lógica, todos repetidos mas todos misturados. O dia da felicidade e do descanso, esse tal dia nunca vai chegar.Eu sempre soube. É tudo cíclico. tudo pensamento e terra, tudo incompatível com tudo.
Só se tu hoje o compreendesses também... Só assim, aí sim, poderia descansar, ainda que friamente, e talvez fosse então"feliz" só por um momento muito breve mas talvez já não fosse eu.
Salvar-me de mim? Sorrir de novo. Não olhar para trás. Esquecer. Tornar a ler os dias em vez de os viver.

sábado, 8 de dezembro de 2007

TÃO TARDE APRENDI O AMOR QUE ME ENSINASTE TÃO CEDO


"Se um pouco de conhecimento é perigoso, quem conhece o suficiente para estar livre de perigo?"(T.H .Huxley)

A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento auxilia por fora, mas só o amor socorre por dentro. O conhecimento vem, mas a sabedoria tarda " (A.Einstein)

“Há um destino igual, porque é abstracto, para os homens e para as coisas – uma designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.”
“Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar”
(Bernardo Soares, in Livro do Desassossego – Obras de Fernando Pessoa)

Um dia ensinaram-me que para aprender "ciência" era preciso de lá saír e ver tudo de fora, se possível de cima, de muito longe... Só assim se poderia saber que a ciência é pequena, cinzenta e simples comparada com a vida à volta. Decidi experimentar... Depois quando voltei , quando desci finalmente a Física tinha-se tornado "fácil" e cinzenta, só a vida é que se tinha tornado bem mais difícil e cheia de cores desconhecidas. Toda a beleza é muito relativa e toda a compreensão também. A beleza não precisa de compreensões. A ciência é para mim o fascínio, a forma de se "entrar" no mistério do universo, de penetrar o desconhecido... Mas não é tudo o que existe. É. Há a vida. Sabias? Queria agora conseguir ensinar-te o que ensinaram a mim, mas não consigo. Tenho as palavras presas num sítio qualquer sem nome, o pensamento ficou suspenso entre um passo e outro, indefinidamente. Como fazer-te saber agora tudo o que nem eu sei??!

(Até o que eu chamava amor era nada mais que um amor “quântico” distribuído habilmente por quantidades bem definidas numa descontinuidade infinita. Amor certo, seguro, mais do que previsível na imprevisibilidade constante do universo, e era precisamente essa angústia do constante que não suportavas, tu que também sentias esse amor… que te atormentava… que te fazia viver)…

Um dia vamos descobrir todos tudo ao mesmo tempo, e vamos poder ser finalmente felizes e descansar...


sábado, 1 de dezembro de 2007




Para os que estão tb um pouco fartos da infinita invasão dos filmes americanos...
Aqui fica uma sugestão com qualidade e cheia de nostalgia, boa música, bom cinema, enfim... dark and brilliant...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007



"A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, para nos livrarmos logo disso. Depois viver num asilo, até ser postos de lá para fora por estarmos muito novos. Receber um relógio de ouro e ir trabalhar. Então trabalhariamos 40 anos até ficarmos novos o bastante para poder aproveitar a reforma. Aí curtiríamos tudo, bastante álcool, festas e preparação para a faculdade. Iríamos para colégio, teríamos várias namoradas, depois ficaríamos crianças, sem nenhuma responsabilidade, depois bebezinhos de colo, voltavamos para o útero da mãe, passavamos os últimos nove meses de vida flutuando. E terminaria tudo com um óptimo orgasmo! Não seria perfeito?" (Charles Chaplin)


terça-feira, 20 de novembro de 2007

Ter-te a ti como único pensamento...

Eu sei que foi noutra vida, ou está a ser noutra vida, paralela a esta, ou já irá ser ainda noutra vida que estes momentos se vão passar exactamente da forma que os sinto agora. Neste frio e silêncio desta hora que não passa. Sempre a mesma.

O toque era muito macio ou seria do casaco onde nunca tinha tocado mas via-se tão bem que era macio e quente. Por baixo as tuas costas estavam quentíssimas, não sei se era do casaco ou do toque minhas mãos. Mas era já madrugada e metade do sonho era imaginação ou metade da imaginação era sonho… E continuava… Mas adormeci… Adormeceu tudo o que de ti tinha ficado intacto no meu pensamento nocturno.

Lembro-me mais dos risos… Não tanto dos sorrisos, dos risos mesmo. Sinceros e espontâneos. E de um azul escuro de fundo ou um verde escuro. Que interessa agora o cenário??? É o pensamento que foge para o consciente quando menos é preciso… E deixa de existir tudo… Porque não se pode escrever ao mesmo tempo que se imagina… Por isso é que é difícil lembrar-te, descrever-te, aqui ao frio debaixo de uma luz fraca de memória…

Sei que a vida não era esta, não é esta mas estas lembranças existem na possibilidade de surgir uma outra vida, só mais uma igualzinha a esta…

segunda-feira, 12 de novembro de 2007


"Estou à tua espera num sítio onde as palavras já não magoam, não ferem, não sobram nem faltam. Esse sítio existe". (Inês Pedrosa-Fazes-me Falta)

Enquanto as palavras não voltam. Nem amaina a tempestade...

That's the way...

)

That´s the way

I don't know how I'm gonna tell you,I can't play with you no more,
I don't know how I'm gonna do what mama told me,
My friend, the boy next door.
I can't believe what people saying, You're gonna let your hair hang down,
I'm satisfied to sit here working all day long, You're in the darker side of town.
And when I'm out I see you walking, Why don't your eyes see me,
Could it be you've found another game to play, What did mama say to me.

*That's The Way, Oh, That's The Way it ought to be,
Yeah, yeah, mama say That's The Way it ought to stay.

And yesterday I saw you standing by the river,
And weren't those tears that filled your eyes,
And all the fish that lay in dirty water dying,
Had they got you hypnotized?

And yesterday I saw you kissing tiny flowers,
But all that lives is born to die.
And so I say to you that nothing really matters,
And all you do is stand and cry.

I don't know what to say about it,
When all you ears have turned away,
But now's the time to look and look again at what you see,
Is that the way it ought to stay?
That's the way... That's the way it oughtta be
Oh don't you know now, Mama said.. that's the way it's gonna stay.

(from LED ZEPELLIN III - That's the way)

(I really should go now. Just listen to the music. It sure wants to say goodbye)...


sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Caos e Silêncio


"O caos é uma ordem por decifrar."
(Livro dos Contrários), in Homem Duplicado, José Saramago.

Podia ter-te dito que era tudo um sonho, ou que tinha sido tudo inventado.
Antes da despedida ainda não te conhecia e depois, quando te comecei a conhecer já era tarde para qualquer tipo de explicação. Para que são precisas explicações se existem sentimentos? (Outra coisa que também nunca percebi).
Não é só o tempo que passa, há muita coisa a passar com o tempo. Foi preciso só um momento, um muito leve momento para se passar todo o tempo do mundo na minha frente, assim, de repente, num sorriso teu, vindo do nada.
(Eu também já passei e tu não viste. Só porque eu não quis).
Resta um cansaço. Sensação estranha de perda. Frio. Vontade de agarrar aqueles últimos momentos. Camuflar de novo a visão. Existir só. Num movimento lento fazer-se silêncio outra vez.








sexta-feira, 2 de novembro de 2007


Ela não sabe como voltar.

Passava-se tudo em câmara lenta, muito muito lenta… Cores e gestos que se confundiam, que demoravam a formar-se… Movimentos, sorrisos e brilho ao som de música intensa e também lenta. Tudo começava a fazer sentido nesta imagem que misturava todos os passados possíveis e todos os sentimentos numa só consciência, num só momento, numa só recordação…

Há uma praia deserta na alma de cada olhar.

(Nunca mais quero sentir o passar do tempo na alma.
Nunca mais quero ver o teu olhar, nem sentir o vento frio de qualquer noite na pele. Só há estrelas tristes. Não há passado nem presente nem futuro. Só a mente que não se distrai.
Nunca mais quero sentir a tua mão na minha. Fria e distante.
Desaparece. Não te peço mais nada nesta vida. Assim da mesma maneira que um dia apareceste a sorrir…evapora-te agora no ar gelado. Faz estas memórias acabarem. Nem só por mais um momento quero viver esta tortura, faz tudo o que puderes para eu nunca mais querer saber de ti. Faz-me acreditar que não existes. Só queria saber como era o mundo antes de ti. Não te despeças. Faz o que te peço. Queria só viver em paz. A paz que não tenho. Será pedir muito? Não posso viver com o teu pensamento na minha mente. Acabou-se tudo o que em alguma vez acreditei. Já nem o ar é puro.
Desaparece daqui. Nunca mais quero saber de nada. Nunca mais. Nunca mais quero sorrir para ti. Nunca mais quero chorar este tempo que não passa. Só quero que me deixes em paz. Para sempre. Só esta vez. Só esta vida. Vai embora! Ouves?... Vai mesmo… que não fique nem mais uma invisível réstia de ti. Já disse que não quero morrer. Só que vás embora. Ou então eu vou. Para nunca mais voltar).

A praia continuava deserta e com muito sol. As imagens tinham desaparecido. Mas era bom saber que as podia recordar assim, entre o esquecimento e a inconsciência, fora dos limites físicos dessa recordação, só tinham ficado os sentimentos bons sem a vertigem da ausência. Poder recordar sem saber com exactidão qual o verdadeiro objecto da saudade.

Já não tinha forças. Deixei que me levassem. Só por ir… Só por não poder ser de outra forma.

Agora sim, tudo estava exactamente como devia estar. À deriva.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Aqui e Agora


Só hoje, só neste momento, apetecia-me gritar tanta coisa ao vento, ao dia, à madrugada. Mas não tenho voz, faltam-me as palavras...Alguma coisa muito forte e muito sincera que separa o coração do pensamento. Muito do que eu queria dizer hoje, neste momento, encontrei-o nestas palavras que se seguem...
Enjoy it...


Elogio ao amor (Miguel Esteves Cardoso)

Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amorfechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor éamor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

PASSWORD: SIDEWALK

Era só uma questão de tempo.
Ele tinha todo o tempo do mundo. Ela já não tinha tempo nenhum. Ele ia gastando o tempo e poupando na medida exacta que precisasse. Ela ia-o perdendo todo até à exaustão. A Ele sobrava-lhe tempo para nada e a ela faltava-lhe tempo para tudo.
Parece quase vulgar.
É só a causa de um desencontro. De mais um.
Foi só por causa desta relatividade que nunca se encontraram. Cada vez que um se aproximava o outro afastava-se. Para um ainda era cedo e para o outro muito tarde para o que quer que fosse…

(Mas um dia correram tanto pela praia até ficarem sem fôlego, água fria, ondas, gritos, almas em verdadeiro alvoroço. Sem pensar. Só pelo prazer de correr. Voaram pelas últimas nuvens de recordações e caíram por terra já sem forças nem voz. Sentiram a chuva fria na pele e na alma…) Depois ela pediu-lhe que lhe desse a mão e lhe lesse uma história antiga . Ele pegou-lhe na mão e ficaram assim muito tempo a sentir o silêncio de uma inexistente intimidade. Tanto e tão pouco…Podiam ter-se conhecido só um pouco menos… só um pouco melhor…
Assim continuaram em silêncio toda a noite. E todas as outras…Indefinidamente…
É assim que gosto de pensar, neste cenário reconfortante, quente e feliz.

Password:sidewalk. Em que estaria eu a não pensar?
Também esta password que usei todo o tempo é reflexo de eu ter estado sempre do lado de fora de tudo. Inclusivamente de ti, e de mim…
(Faltou-me o ar e o chão ao mesmo tempo. Só por uns minutos. Tão poucos que talvez nem sejam no plural. Sei agora porque não chorei desesperadamente como me apetecia. Porque não se pode chorar sem ar. Muito menos viver)

Sei que existe alguma coisa chamada perfeição. Mas não a quero. Nunca quis. Só um momento da tua alma e da minha. Com muita chuva a cair por cima desse teu olhar tão indiferente mas tão intenso. Chuva de um mistério de nós...

domingo, 7 de outubro de 2007

UM INSTANTE

Mas o pior – escrevia Tarrou – é eles serem esquecidos e saberem-no. Os que os conheciam esqueceram-nos porque pensam noutra coisa, e isso é bem compreensível. Quanto aos que os amam, esqueceram-se também, pois são forçados a esgotar-se em diligências e projectos para os fazerem sair e, à força de pensarem nessa saída, já não pensam naqueles que querem fazer sair. Também isso é normal. E, no fim de tudo, vê-se que ninguém é realmente capaz de pensar em ninguém, ainda que fosse na pior das desgraças. Porque pensar realmente em alguém é pensar minuto a minuto, sem ser distraído pelo que quer que seja: nem os cuidados da casa, nem a mosca que voa, nem as refeições, nem uma comichão. Mas há sempre moscas e comichões. É por isso que a vida é difícil de viver. E estes sabem-no bem.” (Albert Camus – A PESTE)

À força de querer chegar a todo o custo perdemo-nos pelo caminho, distraimo-nos com as cores com o brilho com a luz e os sorrisos e esquecêmo-nos do que é verdadeiramente importante. Há um instante de lucidez que um dia, por um acaso, por uma coincidência, por um segundo nos faz ver claro toda a vida…. Para logo no instante seguinte a voltarmos a esquecer com toda a força e racionalidade do pensamento.

Ao som de algumas palavras que já não demoram na mente, depois do resto música ter acabado, depois de ter ouvido vezes sem conta atrás de vezes sem conta tudo o que já não havia para ouvir.
Guarda-me de ti.
Está um dia de vento e de sol.
Ontem, ou melhor na madrugada de hoje, no momento que quis que também estivesses a pensar em mim, nesse exacto momento uma pequenina luz acende o vazio…eras tu…
O mar é transparente e lá muito no fundo vêm-se pedras cores claras muito quietas resignadas à água parada e calma de início de tarde.
O caminho é árduo e cheira a terra.
Todo o universo vai ter a esta cor para todo o lado que eu fuja.
Hora após hora o silêncio que se esconde atrás das portas para nos lembrar de nós mesmos.
Perdeu-se tudo num só instante.

"These are the seasons of emotion and like the winds they rise and fall
This is the wonder of devotion - I seek the torch we all must hold.
This is the mystery of the quotient - Upon us all a little rain must fall." (RAIN SONG-LED ZEPPELIN)

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

ESCREVER PARA QUÊ?!?


I. Tão tarde já. Toda a vida foi tarde…

Se Gostava de escrever um livro?... Gostava antes que me escrevessem como os loucos escrevem a lua, sem buracos nem areias cinzentas e distantes, só luz brilhante…
Gostava que as palavras pudessem ser inventadas antes de serem escritas, que tudo o que pudesse ser pensado pudesse também ser escrito... Que todas as coisas renascessem num só gesto… Se ao menos eu fizesse isso acontecer... Mas o tempo passa, uma vida não chega para encher um espírito vazio, nem sequer uma eternidade deve chegar, para uma alma como a minha.

Levantou-se um vento frio de angústia, uma febre crónica de cansaço envolta numa penumbra ainda mais doentia. Um ar viciado, quente, húmido povoa de névoa os nossos corações e todos os objectos da sala. Que sufoco, que realidade, que prisão, que tédio. Sabemos que não há para onde fugir, sei que não há para onde fugir, nem como fugir. Os sonhos revestem-se de um azul ameaçador do outro lado da janela. Passam, passam constantemente e não param, não esperam, porque os cobardes e os inúteis não fazem parte das cores da aventura. E a aventura não consiste na destruição mas sim no renascer a cada momento, nas vitórias secretas, no sonho que não podemos ver com as cortinas de lágrimas que insistimos em manter. Não sei o que vou fazer de tudo o que vejo e mais ninguém vê, não sei distinguir as vozes mas sei que existo em forma de angústia literária. Essa angústia que coexiste com a necessidade urgente de escrever.
- Escrever? … Porquê? Para quê?... Foi o que sempre quis sobre tudo e sobre nada embora nada possa ser escrito sem se autodestruir… mesmo assim é inevitável… Não vês que é por isso que escrevo? Não é só porque “gostava de escrever um livro” mas porque escrever é mesmo a única forma que tenho de entrar nesta aventura...
-Sobre?... Sobre este dia, esta mesa, estas pessoas, sobre toda a humanidade, sobre o universo e cada pormenor que nele existe... Sobre não é o mais importante o importante é a essência, o que não se vê nem se adivinha, o que já passou…
Mas o tempo urge. Tão tarde já. Toda a vida foi tarde. Tarde desde que nascemos, desde que proferimos a primeira palavra e ficamos ligados inexoravelmente à linguagem do mundo e à passagem vertiginosa do tempo. Tempo. Senti-lo ou escrevê-lo? Tão pouco tempo…
Temos tão pouco tempo para compreender o que sentimos. Se o que sentimos é mesmo o que sentimos. Só tarde demais, a maior parte das vezes, tomamos consciência que nunca fomos felizes como pensávamos ter sido, que nunca fomos o que pensávamos ser. Quando já é tarde para viver é que sabemos como o fazer. Fará isto sentido? Talvez seja esse mesmo o sentido… é o desconhecimento que nos deixa na expectativa e que nos faz viver. E é com este tão fantástico paradoxo que a cada momento quando penso que sei determinada coisa, olho de novo e de novo e de novo e outra vez de novo num milhão de perspectivas sem fim. Para mim é isto a vida. Os sonhos vêem depois para que as histórias possam ser escritas…
As que não nascem de sonhos aparecem vindas do nada, formam-se na mente só depois de escritas e nunca são compreendidas verdadeiramente por ninguém. As palavras brotam da humidade dos pensamentos, desenterram desejos escondidos, sobrevivem a tudo menos a si próprias... Fragmentos de vida que nunca pensei existirem materializam-se e é assim que tudo começa (e acaba mesmo antes de começar)…




II. As visões aparecem e desaparecem como pequenas realidades dentro do grande sonho… mas no universo dos sentidos situam-se do lado de fora…


A visão de ti no mundo que eu criava, nasceu no fim de tarde de um dia azul de Verão, àquela hora que a praia acabava e renascia… Aquela hora que no Inverno era noite e que no Verão era luz, mas no fim do Verão…Aquela hora era só mais uma pequena esperança de uma visão… mística não esperada ou esperada e não desejada. É preciso que não esqueça nada. A única forma que tenho para que não desapareçam para sempre é descrevê-las ao pormenor do invisível e do impossível de forma a que na mente do mundo os sonhos se possam confundir com a realidade e a realidade pareça um sonho que nunca existiu. (A visão de mim no mundo que te criavas seria bem diferente… Como saber agora?)
Eternas imagens marcadas na memória de momentos de espaços…
A água do mar era de um morno que já não existe. A praia estava deserta ou será agora que a imagino deserta? Sinto os grãos de areia grossos debaixo dos pés. Não há dúvida que és tu. Volto a face devagar e os teus passos inaudíveis… longe e perto, à distância de uma pensamento…
O flectir das tuas pernas nervosas e douradas, é essa visão que eu recordo, a dos teus passos debaixo do sol de fim de tarde desde que apareces no cimo da escada até que chegas ao meu lado e te sentas também e sorris e o mar que me parece tão nostálgico como esse teu olhar que já passou… Pudesse eu agora sentir esse mar e essa emoção de instante. Pudesse eu ser esse mar…

Essa visão assemelha-se a muitas outras que talvez até sejam poucas e não muitas…É sempre de uma fria relatividade ter de se explicar por palavras o que não tem tradução possível… Pelo simples facto de não serem meras recordações, não são lembradas com o pensamento consciente mas são sentidas por pedaços de alma e gravam-se na memória talvez ainda antes do tempo nascer… São apenas reconhecidas…Por isso o instante é tão breve…De uma inexistência térrea e dolorosa… como se uma emoção se perdesse antes de se fazer sentir na sua plenitude… Só o fim se reconhece. Só quando já nada poderemos fazer para identificar o que se está a passar é que se dá conta que …. Já passou…
A matéria de um sonho em estado bruto talvez… A semelhança com estados primitivos de alma e de corpo. A presença de uma ausência permanente. O espírito da angústia em forma de visão em forma de pequena realidade em forma de sonho em forma de inexplicável em forma de intemporal…
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Estava escuro, um piano depressivo e flores ao lusco-fusco povoavam a lenta e pequenina noite… O silêncio caiu e a visão desapareceu quase no momento instantâneo em que se fez sentir.
Tão simples quanto isto. A eternidade de um momento que em si nada tem de especial para se guardar na memória. Nem a existência.
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(Estou tão cansada de me sentir que preferia só pensar-me ou sonhar-me, fugir de mim e poder ver-te sem um corpo e alma a abraçar a tua essência sem que tu o sentisses ou soubesses, gostava de deixar-me só e ir ter contigo sem mim. Para que a imperfeição do ser não pudesse influenciar o nosso encontro de almas, ir ter contigo sem mim, só para te sentir. Um dia. Um momento.)

Não existe muito mais alegria que tristeza nem muito mais riso que choro. Toda a mágoa e solidão são constantemente escondidas e recalcadas e só vemos e sentimos a aparência sempre feliz das mentes humanas que levemente pousam os pés no mundo por um curto espaço de tempo. (Ou tempo de espaço, que também não deve ser muito diferente...)

Porque sorris para mim? Não saberás que toda a esperança acabou com o nascimento de algo tão poderosamente previsível que é a vida?
Não é voltar atrás no tempo que quero, é só (só?) sentir onde fica esse tempo (este também) que não tem condição física de existência mas que também não passa nem fica nem vai nem morre... Onde ? Como? De que são feitas estas estranhas visões senão de tempos que não morrem nem existem nem passam? Estas lágrimas hão-de passar. Este vento passará também.

Querer o nunca mais com a mesma intensidade do para sempre.


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Estava sol, rio e vozes, ar livre e mesas com gente indiferente. Quente. Calor. Levanto-me por uns momentos e afasto-me numa direcção oposta a ti. Ao voltar a aproximar-me, por entre vidros abertos, olho para ti de longe (uns meros passos) e o teu olhar esboça o início de um sorriso que morre ainda antes de nascer. Sorrio e o teu olhar cruza o meu e desvia-se de vez… Outro momento que se grava na eternidade no mistério da razão. Tão vulgar e tão inexplicável. Foi um instante deste Setembro igual a tantos outros, com a diferença que jamais o esquecerei. Como a ti.
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III. O SONHO…








(Há sempre um sonho dentro de um sonho).

A vida continua com a indiferença cinzenta a tudo o que lhe é exterior. Saber descrever as mesmas emoções fora do sonho e dentro deste sonho. É aqui que reside o mistério da alma humana.
E transformá-las em pedras.


Um estranho sol de Inverno parou o tempo. O passado sempre a permanecer em imagens descontínuas. O presente também já não será agora, porque agora ainda nem sequer te conhecia nem me conhecia neste futuro longínquo a que cheguei só. Mais só que a única estrela que aparece neste sonho de fim de noite ou de início de manhã.

Tudo azul. Sofás. Cinzeiro. Ar. Parede. Música líquida e também azul. Ecrã televisivo. Uma estrada que se estende muito para além do suportável… do lado de fora do azul sereno da janela aberta. Ampla mas labiríntica. De uma claridade ao mesmo tempo límpida e obscura. Escadas. Barulho de água não rítmico e o chão de vidro gelado onde se repousam tapetes azuis escuros e claros… cobertos pelos espíritos da essência azul da sala.
O fim de tarde que se adivinha no teu olhar também de desespero e de insanidade também de vingança e de amor. Quem se podia cansar de te ouvir nessa imensa solidão da loucura?
Quem no universo se poderia cansar de te chamar repetidamente e de te levar ao colo no pensamento para onde quer que quisesses ir? (Só escondendo as frases fora da lógica temporal é que os sentimentos finalmente se revelam...É sempre preciso estar-se muito atento...Principalmente quando se escreve sem pensar. E quando se ama verdadeiramente.)

Lá estávamos nós cansados do regresso, doentes da partida da espera do brilho que transparecia no rosto de um tempo que ainda já passou, mas que ainda não tinha passado, há muito muito tempo…

Tinhas olhos de fogo e de chuva. Era neles que a minha alma repousava e se sentia segura. Podia ter vivido desse olhar toda a vida. Por mais breve ou longa que ela tivesse sido. Mas a vida não espera pelas almas perdidas como as nossas. Sei agora, e só agora que estava perdida e só. Tu nunca estiveste, fui eu que me perdi em ti, talvez por cansaço ou desilusão, por não saber ainda que não era o olhar que me prendia mas a alma. Sei-o agora mas nem sempre o soube.
Somos de um tempo esquecido que guardámos para sempre no olhar.
Saudades de mim nessa altura tão breve e misteriosa. Quase outra dimensão. Alma desconfortável. Pensamentos a descoberto…tentativas constantes de esconder e ignorar o sofrimento. Aquele sorriso.
Será que alguma vez te voltarei a encontrar? Continuo com artifícios de linguagem ingenuamente… se eu ao menos soubesse o que é gostar, o que foi gostar assim tão incondicionalmente…Que ironia. Gostar é gostar sem condições. E amar?
Intensidade de alma. Sabíamos que mais tarde ou mais cedo nos íamos separar.
(Como de ti). – Promete que nunca me vais deixar cair. E de mim.
E não deixaste.

Como posso ter memória de ti se não tenho de mim? Onde foi que me deixei? Talvez no meio daquele mar de fim de verão, ou na prisão do tempo do teu olhar… As vozes confundem-se agora na imensidão do vazio e já não te consigo distinguir no universo…Se algum dia o consegui também não sei. Mas agora nunca mais vou saber.
Nunca mais…Revolta...Sombra que não desiste de persistir…Que não passa…
- Vem para perto de mim mas sem eu saber. Ensina-me de novo(?) a amar…
Como posso querer saber amar se não sei o que é o amor?
Saber amar será amar?
Não, não me deixei em ti. Deixei-me na solidão da nossa alma dentro de um tempo que nunca existiu. Onde me deixaste não sei. Há muitos nós que se espalham, que se dividem e se separam para depois se tornarem a juntar e voltarem a separar numa eternidade de instantes. Onde estás tu agora e com que parte de mim te foste encontrar da última vez que me olhaste? Nunca estivemos juntos na plenitude do ser nem separados na plenitude do não ser. Nunca fomos nunca e sempre fomos sempre.
Aquele nunca e aquele sempre que guardaste na alma. A forma do que não tem forma. A camisola azul clara de gola alta que um dia existiu na fria noite de tábuas de areia. A indefinição do ar numa densidade leve e pesada… mistura de sonhos e realidade…continua a não haver forma nem tempo nem cura…
Até que a paz retorne à alma perdida, a noite à madrugada…Estou certa que aquela noite nunca amanheceu…Ficará como muitas outras indefinidamente à espera da madrugada…
Será que ainda aí estás a ouvir-me? Só o que alguma vez te pedi. E te perdi. Na esperança de te esquecer esqueci-me…

Estou aqui a tentar ouvir o silêncio das tuas palavras e sentir a saudade do teu abraço. Que linguagem tem o tempo que não morre?
A linguagem do amor que já não temos que nunca tivemos de tão cansados e inertes para alguma vez pensarmos em nós.
O esquecimento prévio de um sofrimento pode ser a coisa mais perfeita para se ultrapassarem as tragédias de amor…Como espectadores da nossa própria vida, passamos ao lado de muito do que poderia ser nosso… Tudo passa como se nunca tivesse existido verdadeiramente. É desta loucura que tudo é feito. Da loucura da solidão. Se não sei o que é o amor é porque nunca amei? E se estou só? Ainda.
Vem proteger-me dessa solidão que me consome os pensamentos e me transforma em divisões frias de mim mesma. Mas eu já estou longe, já não consigo ouvir-me. A única coisa que alguma vez te pedi tornei-a impossível.
Nunca irei entender a natureza humana, e ainda bem. Talvez possa compreender as consequências da existência.
Somos iguais. Mesmo iguais. É só uma ilusão que nos faz percepcionar as diferenças. Tu sentes o que eu sinto, o que todos sentimos. Não sou especial. Tu não és especial. Tudo é ilusão e desconforto humano.
Subsiste a dúvida. Porque se interpôs entre nós o desconhecido? Queria continuar a desconhecer-te mas o afastamento do trivial tem os seus perigos. Onde estavas tu quando precisei de ti? Vulgar. Anónimo. Ridículo. A verdade é que eu não sabia onde nem como te encontrar até te desconhecer de vez.
Vou fechar os olhos e adormecer devagarinho. Durante a noite, virás de mansinho visitar aquela parte de mim que eu não conhecerei. Peço-te, quando chegares não me acordes. Olha-me só, de levezinho e depois vai embora. Eu vou saber que aqui estiveste. A tua presença permanecerá no silêncio vazio da madrugada. Agora, deixa-me adormecer antes que amanheça.