sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Onde estavas quando te esqueci?

I. (Tinha que publicar isto Hoje de novo, ainda que não saibas porquê, ainda que nem sequer leias...)

Era o tempo que já não passava, ou que já tinha passado de vez. Havia uma instabilidade de pensamentos que já não se conseguia ordenar, que nunca mais se conseguiria. Era como uma onda de tempo a atravessar pequenas dimensões invisíveis de memória.
Foi então que nos lembrei ao fim da noite ou da manhã à porta ou à janela de um salão perdido no tempo.
As memórias já se perderam ou perderam a verdade que acaba por ser ainda mais triste. Mas o olhar não se esquece. É como um punhal doce ou uma flor de gelo que nunca morre…
As palavras onde ficaram? As palavras e os sentimentos atrás das palavras?...
- Has this dream stopped?
- yes.
- why?
"Where are the feasts we were promised, where’s the wine, the new wine? Dying on the vine."
Tudo muito cru, frio e real. Assustadoramente real e intenso. Sem espaços vazios para refúgios. Agora a única coisa que existe são os refúgios que escondem nos pensamentos essa realidade. Não por medo. Por esquecimento. Por não haver mais nada.
Não se pode voltar sem se ter partido verdadeiramente. E como seria bom poder voltar. Talvez não. Só a ideia de voltar. A nostalgia de um momento que afinal nunca se viveu…
I will not go. Prefer a feast of friends to the Giant family.
Era o calor do ar que apertava o coração.
Como é que eu podia ter ficado só até ao último instante? Se já era tão tarde para haver um último instante. Se tivesse havido teríamos ficado. O que custava lembrar só mais um instante?
Sorrisos fora do tempo. Ou o tempo a passar fora de nós e dos sorrisos. Sons de palavras a ecoarem a emoção desconhecida, ainda…
Can you find me soft asylum i can’t make it anymore.
Nada suave. Havia um corredor escuro durante a manhã, que depois deixava entrar um pouco de sol.
E música fechada. Da janela baixa só se via um bocadinho de céu. Que era tudo o que existíamos. Os sentidos confundem-se. Estamos agora do lado de fora a ver a música, a sentir os passos a passar invisíveis, a ouvir a angústia e a alegria incondicional do nunca mais.
Se ao menos tivesse havido um espelho. E mais sol. É do sol que sinto mais falta em todas memórias amachucadas como papel velho. Seria tão melhor recordar tudo com muito brilho e claridade. O que somos nós dentro de um pensamento. Haverá mais luz dentro de um pensamento.
"A Vision shimering shifting moving in false fire light...
A Vision of the Visions protecting me from fear at night".
Mas não há momento que dure uma vida inteira nem sentimento que dure um sorriso inteiro. Nem abraço que não morra antes de nascer. Na penumbra do vazio, na tristeza de acabar… Não há ternura numa lembrança porque a ternura morre com o tempo a ternura do passado perde-se como quase tudo e todos os sentimentos descritos e sentidos são presentes. Só a imagem e falta de sol perdura. É só de formas sem movimento feito o nosso passado. É então que a memória se torna triste, repetitiva e insistente, na tentativa vã de parecer real, de ter realmente existido ainda que num outro universo qualquer. Há depois os limites físicos do esquecimento. O que fica marcado na pele da alma. Impossível de apagar. As tais formas, mas mais intensas e mais verdadeiras. As únicas. O que já não queremos lembrar. Ironicamente é só isso que fica gravado. Sorris, vejo que sorris por tudo e por nada, talvez mais por nada. Um passo. Abri a porta da cozinha e o calor entrou debaixo da árvore o vento quente de verão. Mas estava só o deserto lá fora. Senti o mesmo calor mas já só existia tudo igual e tudo vazio de nós. De nós encostados à parede fria a ver estrelas a reflectiram no chão cinzento. Sentes o chão a fugir debaixo dos pés? Não aquele chão. Este chão.
Winter’s so cold is that the reason…
Se já não tivermos o tempo temos o pensamento.
As ondas de um mar claro. O amarelo da areia e do sol. O fresco vento do desconhecido, do desconhecimento e da mudança. Não são visões, são sentimentos inacabados. Bocados de vida encaixados em tempos errados, o puzzle verde da memória a inflitrar-se cada vez mais e a trocar a vida pela memória, ainda intacta. Afinal intacta. Sempre. Ai de quem a tornar visível. Perder-se-á completamente na rede sinuosa e insidiosa do tempo mental… O quente deixa de ser quente para se tornar insuportável e o frio torna-se ameno e agradável. Os sorrisos são engolidos por uma onda fria de silêncio e os abraços por uma onda de vento frio. Como ruído de fundo temos a vida. Mais ou menos musical, mais ou menos barulhenta. Às vezes feita silêncio.


Estás agora tão perto que me afasto com medo. Com tanto medo.
Lembrar o passeio por percorrer e sol a nascer atrás dos montes, onde não há mar, o sol não se pode pôr... Há só um subtil escurecimento. Tão suave e tão vazio, tão vazio de ruído e ,movimento.
"Stay, Faraway so close"…
Salva-me da realidade da noite em que disseste que seguir estrelas era o mais importante, que era só isso q valia a pena.. mesmo que nunca se conseguisse… E eu que tinha percebido que era estudar estrelas… Nunca percebi que estudar é só compreender friamente, que destrói tudo. Mas tu tinhas um brilho no olhar diferente de tudo o que já tinha visto, e agora sei que podias até ter estudado mil estrelas que nunca perderias a inocência da sua beleza….
Mas mais uma vez os tempos desencontram-se na periferia da vida, os nossos planos de acção por mais que se aproximem nunca se cruzam, nunca coincidem. Entro no palco e está escuro. Sei que estás no meio da camada escura da massa que é o público. Tu lá no meio, certeza absoluta, depois de tanto tempo. O que fazer senão fingir por momentos que não me sinto, que não sou eu que vive aquele papel, e fugir ali mesmo sem sair do sítio, percorrer sem fôlego toda a vida. O que deves ter sentido tu, meu deus, seja lá ele quem for, ao ver-me ali sem estar verdadeiramente ali. Talvez também tu nunca tenhas feito parte daquela assistência atenta. Talvez a tua alma tenha ido ter com a minha num local secreto mesmo atrás do palco. Nunca vamos saber.
Toda a gente pensa que sabe tudo. A janela aberta numa noite quente, a luz alheia a iluminar o desespero do último beijo de angústia, o último momento de desespero…
I’m sticking with you, cause i’m made out of glue…
Subi as escadas sem saber o que ia encontrar. Não estava escuro nem luz lá em cima, nem silêncio nem vida, nem vida nem morte. Só a réstia de passado e futuro misturadas naquele presente tão artificial. Chamaste por mim e eu já arrependida de ter subido as escadas. Como me lembro do branco das gargalhadas e das camisas. Como se fosse hoje e o presente fosse afinal real. Como me lembro de mim na efemeridade do momento, do sorriso, da visão.
O amanhecer chegava sem pressa mas as horas passavam devagar ao som de umas notas musicais tão vulgares. Era uma mistura de paz e vazio. Do calor da alma e do frio da manhã. Nunca mais fomos iguais, nunca mais fui igual a ti, nem tu a mim.
“Não pares de lutar, agarra o dia a nascer, há uma batalha a travar só tu podes vencer… Um lugar ao sol, sempre teu….”
Tu não sabes que foi esta música que selou o fim dessa cumplicidade de olhares puros.

9 comentários:

Fabrício Fortes disse...

belo, doce, pesado .. (sei que não digo muito com esses adjetivos, mas às vezes as palavras são insuficientes)
gostei muito!
feliz 2008
bjo

OLHAR VAGABUNDO disse...

falar de coisas como as que escreveste é dificil no minimo...
beijo vagabundo

CLÁUDIA disse...

Gosto da contradição que reside nessa necessidade de continuares a escrever para alguém que já esqueceste.

Excelentes entradas em 2008. ***

ContorNUS disse...

Gostei de te ler...

voltarei...

obrigada pela partilha

Ácido Cloridrix HCL disse...

Aqui venho desejar que em 2008 dês muitas cambalhotas, e boas,,, com muito prazer e amor,,, e desfrutes tudo de bom,,, pois se tal conseguires é sinal que tb terás saúde a rodos,,,,,, HCL

O Profeta disse...

Olhos abertos de espanto
A esperança renovada
Há um novo ano que anuncia
Os passos da felicidade na sua chegada

E porque gosto de ti
Companheira de viagem
Que a minha companhia
Não seja uma miragem

E porque tocaste o profeta
Com a delicadeza da tua terna mão
No abrir das minhas portas
Ilumino teu coração


Um mágico 2008


Um beijo de luz

Luís Leite disse...

;)

eudesaltosaltos disse...

Ola... li algumas coisas q escreveste. dcp n comentar devidamente. mas ainda ando a flutuar das ferias. qd aterrar leio-te nvmente. bj

O Profeta disse...

Olá Rain, passar aqui é colorir a alma com as mais refinadas cores...


Doce beijo