quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Lua cheia


Cheia de quê? Repleta de sonhos caídos da madrugada de ontem.

As luzes da cidade ofuscavam por completo aquele luar divino. Era preciso estar-se atento, abstrair-se. Um novo mundo mesmo ali acessível aos sonhos de qualquer um...(E no entanto...)

Azul forte, branco fluorescente, cor de laranja e vermelho vivo, são estas as cores das ruas nesta noite, em que curiosamente, a lua está cheia também, de novo e por acaso talvez. (...E no entanto tão longe)...Hoje é um daqueles dias. Nem é preciso ver a lua para se saber. Nem é dia nem noite, nem é tarde nem manhã, nem frio nem calor, nem vento nem sol, nem passado nem futuro... Só hoje o tempo parou para se poder sonhar à vontade. Mais uma vez.
Hoje os momentos transformaram-se todos em alma e a alma em lua, hoje o universo é mesmo nosso e só nós não temos consciência disso. Ainda bem, por enquanto.

-Vais perder... (Que lata! Agora vinha ele depois de tanto tempo).
(Voz imediatamente reconhecida)
-És tu?Pensava que era...
-Pois é.Vamos embora.

"If the sky that we look upon
Should tumble and fall

And the mountain should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry
No I won't shed a tear
Just as long as you stand, stand by me..."

sábado, 19 de janeiro de 2008

Mais um sorriso...

No fim de contas, é provável que isto tenha pouco a ver com amor...

Era a forma mais importante que o contéudo. Em tudo na vida. (Ou seria a forma a própria substância?...) Vida essa que assumia cada dia novas tonalidades complexas e atraentes.

Na linha média entre o sorriso e o choro, onde se situa a memória da emoção, um abraço, um beijo, uma palavras quente. Mas as palavras não podem trazer sensações. São só palavras. Nem frias nem quentes. Só letras. Um abraço escrito é só um conjunto de letras... Cada um poderá imaginar a ternura ou a sensação do abraço, ou apreender só as letras.... Pode possibilidades infinitas... Onde se esconde a literatura? Talvez numa simples manhã de sol... Onde estão os sentimentos atrás das palavras? Existem mesmo?! Não são as palavras que criam literatura... Só os sentimentos de quem as lê e sente.

Só por te amar não quer dizer que isto que te estou a dizer tenha alguma coisa a ver com o amor. Até porque quando acabar de escrever, posso já nem ser eu que daqui saia e te sorria pela janela onde o sol ofusca de brilho esta sala, nesta hora branca. (Onde estavas quando o sol nasceu?)
Não gosto nada de falar sempre para ti, mas na falta de alternativas, torna-se bastante mais confortável do que falar para mim. Sombra de um invisível...

Não nos sentimos. Sonhámo-nos. Como quando te sonhei já há muito tempo. Tu com uma t'shirt branca, do lado de lá do portão velho. Deste-me a mão, mas já fora do sonho. Uma única vez! E sorrimos. Valeu a vida inteira. Foi como se naquele instante tivessemos vivido mesmo uma vida inteira completamente diferente, onde estivemos sempre juntos e depois logo no instante seguinte tivessemos regressado contentes e já sem mais nada querer desta vida... Ainda de mãos dadas vivemos até ao fim aquele momento eterno. Lembras-te?

Olhei para trás, e era o meu sorriso dez anos atrás, que eu sabia que nunca mais ia rever.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Para ti, J.


Para ti, J.

O acaso é só o acaso. (Só?)... E nada para além disso. Toda a vida, a sequência de um acaso ainda mais estranho do que qualquer ficção...

A morte em cada esquina, as palavras e as memórias, a noite e o frio, não havia nada que pudesse fazer para se libertar desta vida. Havia ainda a vontade de escrever tudo o que sentia. E escreveu com a urgência de um tédio tardio de alma cansada. Depois deixou-se ficar a adormecer perto da janela aberta que deixava entrar o frio azul da noite. Aquela noite era como música líquida que se esvaía entre os dedos de todas as mãos do mundo. Era como o acordar para um abismo. Os papéis caíram com o vento mas as palavras que tinha escrito ainda a atormentavam como entraves para a liberdade.

Estou só. Perfeitamente só. As horas morrem atiradas contra superfícies de paredes lisas e brancas. Nem um som. Todos os projectos passados e futuros vejo-os desaparecer lentamente com os restos de vento por debaixo da cortina da janela que se eleva ainda mais lentamente para deixar sair o longo desfile de telas sem cor, literaturas nocturnas por começar, de ciência pura incompreendida, de filosofia de rua e de escola, tudo o que nunca consegui concretizar. Todos os projectos só interessavam porque eram projectos. Tudo o que fiz nos meus tempos livres foi a única coisa de algum interesse relativo. E falo no passado por nunca ter tido presente, só meio presente e meio futuro, um tempo quase inexistente que fica atrás de toda a tristeza do olhar e se vai perdendo… Tudo inútil e tudo o que existe deve ser inútil. De uma profunda inutilidade. Só assim digno se ser apreciado e amado incondicionalmente. Mas tu apareceste e esta inútil dor se ser e de sentir passou e nada mais me resta a não ser esta solidão que preservo, que poupo até ao fim, da qual me resta já tão pouco também. Meu Querido J. Escrever-te assim tão directamente assusta e quase destrói o teu ser dentro de mim, só o nomear-te assim tão grosseiramente… Mas de que outra forma compreenderias? Tu que vives desse teu presente tão real, tão bom, tão invejavelmente científico. O próprio sorriso às vezes parece surgir do resultado de múltiplas experiências falhadas com um resultado absolutamente magnífico que é esse sorriso eterno. J. J. J. J. J. J. J. J. J.J. Repetir o teu nome até à exaustão mental fazer-me perder o sentido de ti. Repeti-lo no medo e na consciência de perder o significado de uma mera junção de letras. Perde-lo mesmo assim pelo medo de perder…

Ruínas de sentimentos é tudo o que J. consegue alcançar com o olhar e a alma naquela noite tão fria.

Envolto em pensamentos de perda e revolta J. chegou a casa, mesmo não querendo, teve mesmo de chegar a casa, fazia parte da sua natureza, e afastou matematicamente tudo o que pudesse trazer à memória a existência de I. Sentiu-se mais leve, de uma leveza inexplicável. Foi como se um peso invisível tivesse desaparecido para sempre.

Tinha a impressão de ter começado a viver depois de tanto tempo simplesmente a existir na alma de outra pessoa. Agora sentia-se só, talvez este fosse o preço a pagar pela liberdade de ser que sentia.

Sentia-me ainda revoltado nem sei contra quê , contra que parte de mim ou de ti... quase letárgico, com vontade de dormir, e de ouvir música distante que me embalasse num sono breve e longo, que me desse resposta às minhas perguntas cada vez mais infundadas. Mas agora, a minha letargia matinal parecia ter-se transformado em energia e vontade de viver. Não queria ter de pensar muito, nem conseguia pensar muito, só me apetecia viver, rir sempre e fazer loucuras, ou melhor ser a própria loucura, toda esta energia temo que parte dela possa ser falsa, e seja só a materialização da minha raiva acumulada. Tantos pensamentos desorganizados, tanto de mar como de sol, tanto de céu como de inferno, tanto de vida como de ausência de vida... Ás vezes gostava de deixar de pensar, nem que fosse por poucos instantes, só para poder saber o que é não pensar, senão como poderei algum dia saber o que é pensar? Pois se nunca deixei de o fazer... Como poderemos algum dia saber qual a sensação de não pensar?? Gostava mesmo de passear na minha mente, descobrir escuridões, túneis inacessíveis, desejos recalcados e esquecidos, cores novas, gritos e água gelada, vozes a proclamarem liberdade em palavras desconhecidas, muito e muito mais. O que iria encontrar não posso adivinhar, é o meu único segredo, que de tão guardado me esqueci dele. Posso tentar imaginar, posso continuar a descrever a minha imaginação, mas quando chegar ao fim, a desilusão pode deitar tudo por terra, pode fazer-me chegar intacto da minha viajem, mas pode também trazer-me mais feliz ou menos feliz, mas não me trazer a mim. É pena mas quanto mais me quero conhecer a fundo, mais me afasto de mim. Acabo a pensar em ti.

Fujo da realidade sempre que posso, sempre o fiz mas penso que só agora tomei essa consciência de fraqueza mental. Sei que não me deixaste só J. Sei dentro de mim que nunca estiveste comigo. Sei que mesmo assim me fizeste a pessoa mais feliz do mundo sem teres a mínima nocção disso. Sei desse encanto que te persegue para onde quer que vás, que atrai todos, esse desprendimento e desconhecimento das emoções que provocas à tua volta, esse magnetismo da indiferença.